Existe um
método mais eficiente para ensinar a ler e escrever? Alguns acreditam que sim.
Outros preferem apresentar o mundo das letras às crianças e construir juntos o
que funciona para cada um. O tempo do ba-be-bi-bo-bu ficou para trás.
Debates
sobre a melhor maneira de alfabetizar as crianças não são uma novidade dos
nossos dias. Até o final do século 19, as escolas costumavam alfabetizar usando os chamados "métodos sintéticos", que vão da
"parte" para o "todo". O método alfabético utiliza as
letras. O fônico, os sons correspondentes às letras. O silábico, as
sílabas. Em um segundo momento, percebeu-se que seria melhor utilizar
métodos analíticos, que partem do todo. Passou-se então a ensinar
leitura e escrita a partir de palavras, sentenças ou historietas, que
faziam mais sentido para as crianças, para só depois chegar à análise das
partes: as letras. Muitas escolas mesclaram os dois métodos, dando
origem ao analítico-sintético ou vice-versa. A partir de 1980, porém, o
uso desses métodos passou a ser fortemente questionado. Nesse momento
chega ao Brasil o pensamento construtivista sobre a alfabetização,
resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita,
desenvolvidas pela argentina Emília Ferreiro. As pesquisas de Emília
mudaram o foco de "como se ensina" para "como se
aprende". Parece pouco, mas essa mudança causou uma revolução.
Suas
pesquisas mostraram que as crianças criam hipóteses próprias sobre a
escrita, muito antes de serem autorizadas pela escola a aprender. E que o ensino precisa dialogar com essas hipóteses. Para o pensamento
construtivista, deixar crianças pequenas escreverem o que quiserem
num papel ou lousa faz parte da alfabetização. Elas não produzem
rabiscos, ainda que pareça. O que estão fazendo é se aproximar da cultura escrita. Não é necessário levar o ba-be-bi-bo-bu para a sala, nem
falar da fonética. A criança percebe tudo sozinha. Isso é o que Emília
mostrou. Para aprender a ler, o que você precisa é pensar sobre a escrita.
Esse é o ponto difícil para algumas pessoas entenderem.
O
pensamento construtivista foi, gradativamente, sendo disseminado
entre os educadores nas escolas brasileiras. Mas a falta de um
"método construtivista" deixou os professores perdidos.
Eles entendiam a teoria, mas se perguntavam como fazer em sala de aula
para trabalhar com essas hipóteses dos alunos. "Com isso, às vezes sem admiti-lo, escolas e professores uniram, de formas próprias e muito
diferentes, o que entendiam da perspectiva construtivista com os métodos
antes utilizados que entende que não é
possível prescindir de métodos, de um caminho, um procedimento.
Construtivismo:
discurso e prática
Hoje,
muitas instituições particulares dizem acreditar no pensamento
construtivista. Praticamente não há escolas que não se assumam construtivistas. Só que isso não é real para grande parte delas, porque, em
muitos casos, o construtivismo se tornou um discurso, mas não se
constituiu em uma pratica", diz. Os colégios integrados Domus
Sapientiae e Montessori Santa Terezinha, por exemplo, inicialmente
usavam apenas o método fônico. É uma técnica de decodificação de
sons criada no início de 1900. Com as pesquisas de Emília Ferreiro,
sabemos que a criança está em contato com o mundo letrado desde cedo e que precisamos trabalhar com isso, antes inclusive
de apresentar
os sons. Valorizamos mais do que antes a importância dos textos, o tempo
que cada aluno precisa para ler e escrever. No colégio, desde pequenas as crianças são estimuladas a
ampliar o seu universo de leitura, por meio de histórias, e a pensar sobre
a cultura escrita. "Aos 6 anos, apresentamos grafemas e fonemas às
crianças. Depois das vogais, elas aprendem, por meio dos sons, o "PVR" e daí por diante. Entram, então, os ditados: a partir de um desenho, o aluno forma a
palavra com letrinhas de madeira. Após a construção das palavras, há o momento de autocorreção, pois a criança tem a seu lado o modelo correto. Entendemos que de nada adianta ter idéias e não saber expressá-las
ortograficamente, assim como não há validade em escrever corretamente,
mas sem idéias.Torna-se impossível separar
os dois.
A guerra
dos alfabetizadores
O método fônico de alfabetização
Antes
mesmo de Francis Bacon, Da Vinci já mostrava o caminho da ciência experimental,
cujos avanços mudaram a face da Terra. Alguns ramos da ciência embarcam em
naves espaciais. Mas, entre nós, há educadores que, nessa matéria, continuam
refestelados em seus uivantes carros de boi. As discussões sobre como
alfabetizar uma criança ainda não seguiram os conselhos de Da Vinci: se há
dúvidas, é preciso buscar os "resultados de experimentos". Os vôos da
imaginação só cobrem a decolagem do processo científico. A aterrissagem é no
solo do mundo real.
Circulam
pelo menos quatro escolas de pensamento. Há uma que afirma ser a leitura um
processo global. Aprende-se a ler frases inteiras, blocos de palavras. Ao lidar
com um assunto palpitante, tudo dá certo. Esse é o método exaltado pelos gurus
e adotado quase universalmente. Outra escola afirma que o melhor é
metodicamente aprender sons e letras. É o método fônico, neto do velho bê-á-bá.
Uma terceira seita fica entre as duas anteriores. Adota o processo fônico, mas
acha necessário contar uma história interessante, em paralelo à tarefa mecânica
de aprender a associar sons e garranchos no papel. Por último, há um grupo
agnóstico, que afirma que, não importa o método, tudo depende do professor.
Cada grupo cita seu guru favorito, e a discussão patina.
Como a
capacidade de ler e entender é algo eminentemente mensurável, estamos falando
de números. Por sorte, há números em abundância. Isso porque, como os Estados
Unidos e a Inglaterra passaram por dilema semelhante, foi criado um Literacy
Panel, encarregado de juntar todas as pesquisas sérias feitas sobre o tema
(veja-se Diane McGuinness, O Ensino da Leitura, editora Artmed). Apareceram
cerca de 100 000 artigos científicos. Passando o pente-fino, sobreviveram menos
de quarenta. Pelas mesmas razões que não é necessário ser engenheiro
automobilístico para ver quem chegou em primeiro numa corrida, podemos medir
qual método alfabetiza melhor sem entender suas teorias.
Os
resultados são bastante claros e se aplicam ao português - por ser também uma
língua fonética. Nem uma só pesquisa confiável mostrou vantagens para o método
global. A disputa foi entre variantes do método fônico. A combinação do fônico
com uma contextualização ou enredo não mostrou bons resultados. Ao que parece,
a historinha que acompanha o aprendizado de letras e sons desvia a atenção e
consome tempo dos alunos. É melhor primeiro aprender a ler bem e depois
dedicar-se a entender o que está escrito. Observou-se também que, quanto mais
fraco o aluno, mais o método fônico traz vantagens. Tais resultados puseram uma
pá de cal na controvérsia. Todos os países de Primeiro Mundo que haviam
abandonado os métodos fônicos voltaram a adotá-los. Faz pouco, o ministro
francês Gilles de Robien proibiu o global.
As
pesquisas mostram vantagens sistemáticas para o fônico. Portanto, a hipótese
dos agnósticos é negada. De fato, se o método fosse irrelevante, tais
diferenças não existiriam. Mas os agnósticos podem ter alguma razão quando se
comparam professores que não conhecem bem nem um método nem outro. Nesse caso,
as comparações não mostram nada.
Em ciência
não há conclusões definitivas ou finais. Mas, até que se refutem as conclusões
do Literacy Panel, o que sabemos hoje nos obriga a aceitar a superioridade do
método fônico. A sociedade brasileira tem o direito de fazer duas exigências
aos que recebem salário (pago pelos contribuintes) para cuidar de
alfabetização. Que superem suas cruzadas ideológicas e se ponham de acordo. Que
para isso se valham dos princípios da ciência empírico-dedutiva, que, desde Bacon,
todos os cientistas aceitam (ou seja, o que valida uma hipótese são experimentos, não os gritos de seus defensores).
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